O Museu de Arte do Rio Grande do Sul — MARGS, instituição vinculada à Secretaria de Estado da Cultura do RS — SEDAC, reabre na terça-feira, dia 11.05.2021, inaugurando a exposição inédita “Lia Menna Barreto: A boneca sou eu — Trabalhos 1985-2021”.
A mostra traz a público a produção e trajetória de uma das mais notáveis artistas entre a chamada Geração 80 no Rio Grande do Sul, e desde os anos 1990 nome destacado e com ampla inserção no circuito de arte contemporânea brasileira e mesmo internacional.
A exposição apresenta dezenas de obras, que totalizam centenas de peças em exibição, traçando um panorama da trajetória de mais de 30 anos de uma produção pautada pela liberdade de trânsito e contaminações entre múltiplas linguagens e materiais, na intersecção entre arte, vida e cotidiano.
Com curadoria de Francisco Dalcol, diretor-curador do MARGS, e Fernanda Medeiros, curadora-assistente do Museu, esta é a maior mostra já realizada da artista e a primeira a reunir um conjunto de obras tão extenso e abrangente de sua carreira.
A ampla exposição ocupa todos os espaços expositivos do 1º andar do MARGS: as 3 galerias das Pinacotecas, as Salas Negras e a Sala Aldo Locatelli, além do foyer à entrada do Museu.
A exposição
“Lia Menna Barreto: A boneca sou eu — Trabalhos 1985-2021” traz a público objetos, esculturas, sedas, instalações, pinturas e desenhos realizados desde 1985, além de documentos e registros visuais que complementam e ampliam a experiência. Junto a obras do acervo do MARGS, a mostra conta com empréstimos da Fundação Vera Chaves Barcellos (FVCB), do Museu de Arte Contemporânea do RS (MAC-RS) e de coleções particulares.
Um dos destaques é um trabalho em site specific de grande escala e inédito (5 metros de altura por 11 de largura), composto por centenas de peças e objetos. Intitulado “Colar” e instalado na galeria central das Pinacotecas, foi realizado especialmente para a exposição.
Nas Salas Negras, é apresentado “Ratão” (1993), uma das obras mais emblemáticas do acervo do MARGS, junto a “Diário de uma boneca” (1998), conjunto de mais de 400 pequenas bonecas feitas em costura de trouxas de pano, restos de tecido e pedaços de outras bonecas. A primeira delas, a artista fez para a filha de então 3 anos; as demais foram surgindo uma a cada dia, sem que falhasse um dia sequer ao longo de mais de um ano, como um registro da condição da maternidade.
Já na Sala Aldo Locatelli, a série “Ordem noturna” (1996) ganha um resgate histórico com a exibição pela primeira vez de boa parte do conjunto das obras integrantes.
E no foyer à entrada do Museu, o público poderá conferir durante o período expositivo o processo de desenvolvimento do trabalho “Máquina de bordar” (1997), que consiste em um sistema de produção de bordado a partir do plantio e germinação de sementes de milho. Colocadas sobre tecido úmido, dentro de bandejas e sendo regadas, as sementes brotam com o passar dos dias, iniciando-se um bordado a partir das raízes. Semanas depois, com as plantas e raízes desenvolvidas, inicia-se o processo de secagem, e a parte bordada é retirada da bandeja e armazenada ao lado. E em seguida o processo recomeça, dando início a um novo bordado.
Como parte da exposição, o MARGS realizará um programa público com atividades envolvendo a mostra física e ações virtuais nos perfis do Museu nas redes sociais. A programação será divulgada em sequência.
Programa “História do MARGS como História das Exposições”
Esta exposição assinala um resgate e mesmo um reencontro da história do MARGS com a história da artista. Em 1985, recém-formada pelo Instituto de Artes da UFRGS e em pleno início de carreira, Lia teve a oportunidade de realizar no Museu a sua primeira individual. A exposição ocorreu pelo projeto “Espaço investigação”, que promoveu à época uma série de exposições de artistas jovens. Ao dar lugar no MARGS a pesquisas e propostas artísticas contemporâneas, o “Espaço investigação” é sempre lembrado por ter sido responsável pela projeção de muitos artistas então emergentes. Agora, passados 36 anos, Lia volta a apresentar uma individual no Museu.
Nesse sentido, “Lia Menna Barreto: A boneca sou eu — Trabalhos 1985-2021” integra o programa “História do MARGS como História das Exposições”. Seu objetivo é trabalhar a memória da instituição de uma maneira inovadora, abordando a história do museu, as obras e constituição de seu acervo e a trajetória e produção de artistas que nele expuseram, por meio de projetos curatoriais que revisitam, resgatam e reexaminam episódios, eventos e mostras emblemáticas do passado do MARGS, de modo a compreender sua inserção e recepção públicas.
Ao mesmo tempo, a realização desta exposição se insere no amplo programa da atual direção artística do MARGS que desde 2019 tem resultado em um conjunto de mostras dedicadas a artistas mulheres, somando-se assim às diversas monográficas já apresentadas e à coletiva “Gostem ou não — Artistas mulheres no acervo do MARGS” (2019-20).
A artista e sua produção
Lia Menna Barreto (1959) é uma das mais notáveis artistas entre a chamada Geração 80 no Rio Grande do Sul, tendo se tornado já desde os anos 1990 nome destacado e com ampla inserção no circuito de arte contemporânea brasileira e mesmo internacional.
Nascida no Rio de Janeiro e crescida em Porto Alegre, a artista vive radicada já há alguns anos em seu sítio-chácara em Eldorado do Sul (RS), onde mantém em realização suas atividades e produção artísticas.
O trabalho de Lia Menna Barreto ganhou reconhecimento e projeção nacional com esculturas, objetos e instalações em que desconstrói e reconstrói brinquedos infantis, bonecas de plástico, bichos de pelúcia e animais de borracha, a maior parte deles encontrados após paciente coleta em lojas populares no Centro de Porto Alegre, ao longo dos últimos 30 anos.
A operação básica e elementar da produção de Lia é se apropriar desses objetos cotidianos, seriais e industrializados, intervindo neles a partir de procedimentos nos quais os corta, secciona, desmonta e prensa a quente, seguindo-se a reconstrução do todo a partir da remontagem de suas partes.
Por Francisco Dalcol
Doutor em Teoria, Crítica e História da Arte
Diretor-curador do MARGS
Há uma atração que conjuga fascínio e desconcerto no encontro com a produção de Lia Menna Barreto. Em um primeiro contato, suas obras são capazes de acionar sentidos díspares, despertando sensações que se alternam entre delicadeza e brutalidade, afeto e crueldade, ternura e perversidade, perplexidade e ironia.
Partindo em grande parte da apropriação de brinquedos infantis, bonecas de plástico, bichos de pelúcia e animais de borracha, seus trabalhos operam no limite do tensionamento da quase violação dos universos lúdico, infantil e mesmo feminino. A artista mutila e recostura as partes de bonecas e pelúcias, acoplando braços na cabeça e pernas na barriga, por exemplo. Já as criaturinhas de plástico e borracha, derrete-as com ferro elétrico.
O processo se inicia na busca desses objetos, encontrados em paciente coleta por lojas populares no Centro de Porto Alegre nos últimos 30 anos. Uma vez escolhidos, são selecionados, cortados, seccionados, achatados e prensados. A esse desmonte e desfiguração, segue-se a reconstrução do todo a partir da remontagem de suas partes. Mas sem nunca voltar a equivaler exatamente à aparência original, pois do procedimento sempre resultam formas inquietantes de feições deformadas, transfiguradas, disformes ou até aberrantes; cujos fragmentos e mesmo destroços são rearticulados pela artista em combinações, conexões e arranjos compostos por múltiplos objetos, ao longo de um processo no qual lança mão do princípio estrutural dos procedimentos escultóricos.
A operação, portanto, não se vincula apenas a um gesto de apropriação de objetos cotidianos, seriais e industrializados, segundo a tradição de deslocamento-reinserção-recontextualização inaugurada pelo ready-made duchampiano. Envolve, ainda e sobretudo, uma profunda intervenção na sua matéria e no que simbolizam. Contudo, sem que deixem de perder o referente dos significados e das funções a que originalmente remetem.
Isso faz com que as obras se assentem naquilo que poderíamos compreender como uma espécie de coreografia e orquestração dos materiais e dos signos contidos nos objetos. “Mexo com as coisas e com os símbolos, ativando algo em torno de seus simulacros”, diz a artista.
Ao mesmo tempo, são trabalhos que escapam à categorização de obra de arte enquanto objeto uno e acabado, uma vez que sua espacialização se dá segundo possibilidades sempre variadas e infindáveis de montagem, a depender da proposta e da especificidade do espaço. Esse expediente de um vir-a-ser em transformação atribui às suas obras a condição de mutabilidade e não permanência, com desdobramentos sempre em aberto, múltiplos e até mesmo imprevisíveis.
A artista e a exposição
Lia Menna Barreto (1959) é um dos mais notáveis nomes entre a chamada Geração 80 no Rio Grande do Sul. São artistas que efetivam a consolidação das linguagens e práticas artísticas contemporâneas, após as conquistas da geração precedente com as vertentes conceituais dos anos 1960/70.
Tendo se tornado já desde a década de 1990 nome destacado e com ampla inserção no circuito de arte contemporânea brasileira e mesmo internacional, Lia nasceu no Rio de Janeiro, cresceu em Porto Alegre e vive radicada já há bons anos em sua chácara em Eldorado do Sul (RS), onde mantém seu ateliê.
“Lia Menna Barreto: A boneca sou eu — Trabalhos 1985-2021” é a maior individual já apresentada pela artista e a primeira a reunir um conjunto de obras tão extenso e abrangente de sua carreira. A ampla exposição ocupa todos os espaços expositivos do primeiro andar do MARGS: as 3 galerias das Pinacotecas, as Salas Negras e a Sala Aldo Locatelli, além do foyer à entrada do Museu.
Com dezenas de trabalhos, que totalizam centenas de peças em exibição, a mostra traz a público um panorama da trajetória de mais de 30 anos de uma produção pautada pela liberdade de trânsito e contaminações entre múltiplas linguagens e materiais, na intersecção entre arte, vida e cotidiano. São apresentados objetos, esculturas, sedas, instalações, pinturas e desenhos realizados desde 1985, além de documentos e registros visuais que complementam e ampliam a experiência. Junto a obras do acervo do MARGS, a mostra conta com empréstimos da Fundação Vera Chaves Barcellos (FVCB), do Museu de Arte Contemporânea do RS (MAC-RS) e de coleções particulares.
Entre os destaques, está um trabalho em site specific de grande escala e inédito, composto por centenas de peças e objetos. Intitulado “Colar” e instalado na galeria central das Pinacotecas, foi realizado especialmente para a exposição.
Nas Salas Negras, são apresentados “Ratão” (1993), uma das obras mais emblemáticas do acervo do MARGS, e também “Diário de uma boneca” (1998), conjunto de mais de 400 pequenas bonecas feitas em costura de trouxas de pano, restos de tecido e pedaços de outras bonecas. A primeira delas, a artista fez para a filha de então 3 anos; as demais foram surgindo uma a cada dia, sem que falhasse um dia sequer ao longo de mais de um ano, como um registro da condição da maternidade.
Já na Sala Aldo Locatelli, a série “Ordem noturna” (1996) ganha um resgate histórico com a exibição pela primeira vez de boa parte do conjunto das obras integrantes.
E no foyer à entrada do Museu, o público poderá conferir durante o período expositivo o processo de desenvolvimento do trabalho “Máquina de bordar” (1998/2021), reeditado para a exposição e que consiste em um sistema de produção de bordado a partir do plantio e germinação de sementes de milho. Colocadas sobre tecido úmido, dentro de bandejas e sendo regadas, as sementes brotam com o passar dos dias, iniciando-se um bordado a partir das raízes. Semanas depois, com as plantas e raízes desenvolvidas, inicia-se o processo de secagem, e a parte bordada é retirada da bandeja e armazenada ao lado. E em seguida o processo recomeça, dando início a um novo bordado.
História do MARGS como História das Exposições
Esta exposição assinala um resgate e mesmo um reencontro da história do MARGS com a história da artista. Em 1985, recém-formada pelo Instituto de Artes da UFRGS e em pleno início de carreira, Lia teve a oportunidade de realizar no Museu a sua primeira individual. A exposição ocorreu pelo projeto “Espaço investigação”, que promoveu à época uma série de exposições de jovens artistas. Ao dar lugar no MARGS a pesquisas e propostas artísticas contemporâneas, o “Espaço investigação” é sempre lembrado por ter sido responsável pela projeção de muitos artistas então emergentes. Agora, passados 36 anos, Lia volta a apresentar uma individual no Museu.
Nesse sentido, “Lia Menna Barreto: A boneca sou eu — Trabalhos 1985-2021” integra o programa “História do MARGS como História das Exposições”, dando sequência à mostra “Frantz — Também e ainda pintura” (2019). O objetivo do programa é trabalhar a memória da instituição de uma maneira inovadora, abordando a história do museu, as obras e constituição de seu acervo e a trajetória e produção de artistas que nele expuseram, por meio de projetos curatoriais que revisitam, resgatam e reexaminam episódios, eventos e mostras emblemáticas do passado do MARGS, de modo a compreender sua inserção e recepção públicas.
Ao mesmo tempo, a realização desta exposição se insere no amplo programa da atual direção artística do MARGS que, desde 2019, tem resultado em um conjunto de mostras dedicadas a artistas mulheres. Assim, soma-se às diversas monográficas já apresentadas até aqui e à coletiva “Gostem ou não — Artistas mulheres no acervo do MARGS” (2019-20).