Voltar & Procurar - exposição na Galeria Gestual - Texto e acompanhamento crítico Lara Fuke - Porto Alegre, RS 2024





























 

"Original é voltar às origens por um caminho diferente" Lara Fuke, 2024


 Original é voltar às origens por um caminho diferente


Lembro-me de perguntarem à Lia sobre o trabalho Coelho do Avesso (1996): "Por

que virar o bicho de pelúcia do avesso e colocá-lo de frente a uma estufa? Não te parece

maldoso?", ao que ela respondeu "muito pelo contrário! Queria aquecer o interior dele,

deixar o bichinho quente por dentro". A Lia nunca se constrangeu em comunicar no

trabalho a sua relação afetiva com ele. Penso que com as pinturas não seria diferente.

Em mais de 40 anos de carreira, é na Galeria Gestual a terceira vez em que vemos uma

exposição de pinturas da artista — a primeira vez foi em 1985, Pintura em Repouso, no

MARGS, e a segunda, em 2018, com

Alegre. A diferença é que agora o interesse parece ter se voltado para algo muito

próprio, algo do interior.

Em sua trajetória, a artista envolve cuidado não só na maneira de trabalhar, como

também na lida com os materiais. O que vemos nas pinturas são, na maioria, paisagens

da janela do seu ateliê e trabalhos antigos, retratados em tinta acrílica sobre tela. Eis

uma pista para lermos o título da exposição, Voltar & Procurar. O ato de voltar é uma

virada, torção do corpo na direção contrária à que vinha vindo, que permite ver o que

passou, mas com um olhar de quem foi. É uma virada que, no caso da Lia, faz

reaparecer uma ampla variedade de trabalhos já feitos, e também uma mesma paisagem

que todo dia é diferente. Os retratos, tanto dos trabalhos quanto da paisagem,

demonstram uma curiosidade, uma vontade de repeti-los, uma procura que percorre

lugares já conhecidos. Como é mesmo que foram feitos esses trabalhos que agora

aparecem pintados na tela? Quais são seus contornos? Que cores e texturas têm e

podem vir a ter? Que escala terão agora? Como se relacionam uns com os outros na tela

de pintura? Quais as muitas maneiras de pintar uma mesma árvore, um mesmo morro?

Quantos cavalinhos pintados podem surgir a partir de um cavalinho laranja? Com quais

pinceladas a paisagem pode ser pintada? Quais cores essa paisagem pode ter?

Junto às pinturas, vemos também outros objetos, como as bonecas furadas, que

convidam à interioridade. Olhamos para dentro delas e elas já não separam o interior

do exterior, mas sim, deixam que o que é de fora se aqueça dentro delas e o que é de

dentro saia para esquentar o exterior. Diante desse vasto conjunto de obras, caberia

perguntar: por que voltar aos trabalhos antigos e insistir sobre a mesma paisagem na

pintura? Conhecendo seu gosto pelo avesso, aposto que minha mãe responderia que, ao

mesmo tempo que traz frescor para esses trabalhos, também os aquece. Assim como a

paisagem, que fica mais aquecida a cada vez que entra pra dentro do ateliê.


Lara Fuke

Artista e pesquisadora

2024

Exposição "Fabricados" - 2024 - fotos Leticia Remião - Galeria Ocre - Porto Alegre, RS